quinta-feira, 2 de abril de 2015

Semana Santa: Que bom seria se meu filho tivesse medo de caretas!

Há fatos da infância que a gente não esquece jamais. Assim como há épocas, tradições e acontecimentos que sempre nos trará aquela nostalgia boa. Como ouvir uma velha música, trilha sonora de um tempo bom.
Quando menino, por essa época dos caretas, não tinha quem me fizesse sair na estrada. Tinha um medo medonho dos temíveis e brutais caretas, capazes de fazer coisas terríveis e horrendas com as criancinhas que ousasse a sair de casa na Sexta-feira da Paixão. Elas seriam julgadas sem direito a apelação: açoite! Chibatada no lombo.
A semana santa, naquela época, era um tempo que misturava prazeres e coisas que não agradava muito, se é que vocês me entendem. Um dos fatos que me cativava um pouco era a “Quarta-feira de Trevas”, único dia do ano em que minha mãezinha querida não se esgoelaria me mandando tomar banho antes que o negro da noite tomasse conta de tudo. Claro, o sucesso só vinha após as ameaças feitas ao tremulinar o chicote nas mãos.
Apesar disso, me trazia agoniação pensar que com qualquer descuido que desse com qualquer gotícula d’água, durante aquelas vinte e quatro horas, que viesse a tocar o meu corpo e, principalmente as minhas pernas, eu estaria fadado a ficar petrificado para o resto dos meus dias. Meu maior medo era que a cólera atingisse as pernas. Não poder andar seria o pior dos castigos para um moleque que vivia no sítio em meio a tudo de bom que estava ali se oferecendo para ser explorado, desmistificado. Quer dizer, seria o segundo pior, só perdia para os açoites dos Caretas. Nada era pior do que aquilo.
Por essas e outras que na quarta e na sexta da Semana Santa, sempre jejuava de alguma coisa. Ou não tomava banho, ou não saia de casa, respectivamente.
O banho era fácil resolver, não havia contraposição por parte de ninguém, afinal, todos queriam respeitar os costumes, mas em se tratando de sair de casa, aí não havia jeito. Acontece que justamente aquele dia era o dia de dar a bênção às madrinhas. Justo naquele dia. Queria saber quem foi o engraçadinho que inventou esta tradição. Será que não poderia ser no sábado? Ou mesmo no domingo, um dia tão belo em que Jesus ressuscitou?
Antes que eu me esqueça, o “dar a bênção às madrinhas e padrinhos” era um outro detalhe que muito me contentava. Não que eu fosse interesseiro, isso nunca, mas morria de ansiedade pra saber o que ganharia naquele ano. Ano passado ganhei uma camisa; no outro, um short; no retrasado, um perfume talvez, sei lá, nem lembro mais, faz muito tempo. Valia a pena correr todo o risco de se abalroar com aquela gangue do mal para ir até aos meus padrinhos levando uma lembrancinha singela a eles e, claro, trazer de volta a minha, junto com a bênção que me davam. Acho que nem lembro mais das palavras que dizia quando, encontrando-os, ao prostrar-me diante deles, eu dizia:
            - Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo, seguido do pedido de bênção.
Aos cangaceiros encaretados, nunca vi coisa mais feia. Um bando de “cabra” e suas faces encobertas com uma careta feita de papelão, perfurado em quatro lugares, olhos, nariz e boca, com chifres e toda suja de carvão. Vestidos feito bichos com sacos e trapos velhos. Na cintura levavam um chocalho que anunciava o terror e nas mãos os seus chicotes dolorosos e sangrentos. Aquela imagem e aquele som me doíam à espinha!
Só tinha uma coisa que me deixava encucado. Eu não conseguia entender, como animais brutos e desprovidos de compaixão como eles, poderiam ter uma voz tão estranha. Não me entrava na cabeça que aqueles que tanto medo me dava só de ouvir dizer, quando abriam a boca falavam fino. Isso mesmo, fino e baixo como uma donzela tímida. Não era possível. Ouvia-se sempre o mesmo pedido:
            - Me dê uma esmolinha pro Juda! Isso, claro, fino e baixo, como uma cigarra sem voz.
Infelizmente, talvez esse detalhe em que me peguei a pensar tenha sido quem me tirou a inocência do medo. Infelizmente mais tarde descobri que aqueles eram só os vizinhos e amigos da redondeza brincando de tradição. Que aquele tal Judas para quem eles pediam com suas vozes irreconhecíveis, era um boneco que estaria, no domingo, pendurado no centro de uma roda em volto a tudo que lhe foi dado, o que, pouco a pouco, seria levado, ou “roubado”, pelos participantes da brincadeira, que entraria na roda e levaria o que quisesse ou pudesse pegar, sob chicotadas de todos os tamanhos e forças. Sob pena do açoite. Nisto eu estava totalmente certo, o açoite existia sim, mas era parte da festa e, graças a Deus, as crianças estavam fora dela. Por último restaria o Judas, o prêmio maior. Quem se atreveria a roubá-lo?
Bom seria poder ver meu filho vivenciar tudo isso também!


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