[Veja a como é a preparação e o ato da renovação em Dia de Renovação - Em Cordel]
Incentivada pelo Pe. Cícero Romão Batista, a Consagração das Famílias ao Sagrado Coração de Jesus ou simplesmente a "Renovação", é uma das tantas demonstrações da fé e religiosidade do povo do interior do Nordeste e, em especial, da região do Cariri, no sul cearense.
Incentivada pelo Pe. Cícero Romão Batista, a Consagração das Famílias ao Sagrado Coração de Jesus ou simplesmente a "Renovação", é uma das tantas demonstrações da fé e religiosidade do povo do interior do Nordeste e, em especial, da região do Cariri, no sul cearense.
Na sua
simplicidade, essas pessoas mantêm em destaque na sala de entrada das suas
casas, a qual dão o nome de "sala do santo", um altar com as imagens
dos Corações de Jesus e de Maria pregados na parede, além de várias outras imagens
dos seus santos de devoção em volta e, logo abaixo, uma mesinha, e sobre ela,
estátuas, castiçais e jarros de flores. É neste cômodo, "aos pés do
santo" (como se diz por aqui), que todos se reúnem para a celebração da
renovação.
Essa, por
sua vez, representa a renovação do compromisso das famílias com a fé nas
promessas de Jesus, prometidas à francesa Santa Margarida Maria Alacoque, das
quais uma delas é um anuncio de que seriam abençoadas as casas em que se
achasse exposta e venerada a imagem do seu Sagrado Coração. Por outro lado, ela traz
consigo a oportunidade de reunir a maioria dos amigos e familiares, coisa muito
rara, e isso faz com que, assim como natal e Ano Novo, por exemplo, esta seja
uma data capaz de mesclar diferentes emoções como a alegria dos reencontros e a
satisfação, ou simples prazer, de ver a "casa cheia" e se ver rodeado
pelas pessoas de quem se gosta.
Em
Caririaçu, em especial na zona rural, a preparação para a renovação se dá por
boa parte do ano, mas só se intensifica nas vésperas da data prevista, cerca de
duas ou três semanas antes. Neste período se inicia as reformas das
residências, a troca de móveis e aquisição de tudo que venha a ser necessário
até a hora do ensejo.
A
"Reza", como também é chamada, é realizada todos os anos no
aniversário de matrimônio dos chefes da família ou numa data próxima,
frequentemente à noite. Este é um dia muito movimentado, são convidadas
mulheres da família ou vizinhas para ajudar na arrumação da casa e na feitura
da comida, pois, precisa-se que esteja tudo pronto até à tardinha, quando
chegam os amigos e familiares mais próximos para o jantar que é servido algumas
horas antes do início da renovação.
As
orações, porém, só são iniciadas com a presença da "rezadeira". Ela é
a responsável por "tirar a reza”, ou seja, auxiliada pelo seu livrinho, é
ela quem conduz as orações e benditos da consagração, sempre os professando com
muita ênfase e em voz alta, continuamente acompanhada, principalmente na hora
dos benditos, pelas pessoas que se encontram na sala.
Terminado
o ato religioso, é feita uma queima de fogos e, logo após, vem a hora do
"café", onde é servido um lanche tradicional, no qual se pode
escolher entre chá (geralmente de ervas como o capim santo ou erva cidreira),
ou café, e mais alguns petiscos que podem ser bolos, como o famoso Bolo de
Puba¹, Sequilhos² ou biscoitos.
Em nossa
cidade, esse costume vem passando de geração a geração, com algumas mudanças, é
claro, sofisticações das novas eras, talvez até com menos ânimo, mas enfim, devo
dizer que, a muito, deixou de ser apenas uma expressão de religiosidade e, pela
persistência, passou a ser também uma expressão de cultura.
O certo é
que o passar do tempo trousse consigo muitas mudanças, as velhas tradições aos
poucos deixaram de ser indispensáveis e deram lugar a novas práticas, o que
mudou a cara da ocasião.
Conversando
com populares da nossa cidade identificamos várias destas transformações.
Segundo eles as "rezas" de antigamente eram muito boas e
diferentes das de hoje, e citam varias das alterações nos velhos hábitos,
alguns destes, comuns à maioria das famílias, como é o caso dos fogos, que
anunciavam o início e o fim da "reza" a toda vizinhança e que hoje
quase não se escuta mais. Outro som, o das Bandas Cabaçáis, que tem na essência
fortes ligações com as renovações, e que comumente tocavam os seus
"baiões" para animá-las e venerar o Sagrado Coração, quase não ecoa
mais e por isso, estão possivelmente fadadas a desaparecerem, se não for tomada
nenhuma atitude para resgatar esse, que é um símbolo da cultura popular, não só
da nossa terra, mas do Nordeste como um todo.
Algumas
outras famílias cultivavam outros costumes, estes mais particulares, com o
simples proposito de incrementar ainda mais a sua festa, como é o de soltar balões.
Outras ainda chagavam a realizar até pequenos leilões populares nas suas casas.
Em épocas
de escassez de chuva, como forma de "pressionar" ao São José, as
pessoas levavam a imagem do santo da casa de um vizinho às escondidas e só a
devolvia no dia da renovação ou quando a chuva viesse. Caída a chuva, em
agradecimento ao santo era ornamentado um andor com muitas flores e então ele
era levado de volta, em procissão e com muita festa.
A
consagração ao Sagrado Coração de Jesus, renovação ou "reza", como
queiram, é um elo entre a religiosidade e a cultura popular, e como tal,
enfrenta dias de baixa, de quase esquecimento. As modernidades a muito vem
interferindo na sua preservação, na preservação da nossa identidade cultural.
Ela é a expressão da nossa fé, das nossas crenças, da nossa religiosidade. É
expressão da nossa cultura, que é a nossa cara, a nossa identidade. Não
deixemos que nos mate!
¹PUBA: é uma massa feita de mandioca
fermentada, muito usada no Nordeste para fazer bolo;
²SEQUILHO:
Biscoito feito de goma de mandioca muito consumido no Nordeste.
Fontes
bibliográficas: http://www.educared.org/
http://gororobacomcardamomo.wordpress.com
http://www.nordesterural.com.br/